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Gedicht

Paulo Teixeira

De Temporum Fine Comoedia

1

You loom in the doorway with your waxen face,
flamboyantly clutching your necklace
like a shield against one more suburban joke.
“Rehearsing for the museum?” I thought to shoot.

The order of the day is to retreat in haste
and to salute everything with a last hurrah.
Drums are rolling, dear, as in olden times, drunk
with blood, calling us to the sacrificial rite.
There’s something ancestral and terrifying
about the face the television promises, look,

in the middle of its ominous harangue.
No comment. We don’t have kneeling pads
at home, and if you lean out to the umbrellas along
the shore, we know security is your preferred dream.
You go to the balcony as an eyewitness of the fires
inevitably blazing in the distance.

I see how fear chisels in you a statue
with veiled gaze and a speechless,
expressionless face, withdrawn into you,
the most recondite hiding place of all.


2

Together now, happy if we hear a racket
in the distance, we look at each other,
for the promise is fulfilled, the ritual
sacrament conferred on us by time.

What should we do, you ask. Hoist the sails
or dig a mine shaft in the floor, deserting
who we are as we descend time’s tunnel
to reach the world’s antipodes?
Swallow a pill or let ourselves go,
pushed by the wind, beneath the eaves?

You cannot, in a final rapture, take anything.
You’ll be the prey, on that crucial day,
of all you desired and lose, without appeal,
under mob rule or some praetorian
order, sentenced to biblical logic
and the resignation of Roman existence.

All you have today is your face’s imitation
in the mirror. And that’s all you'll have to defend
in the hour when God's creation rebels (and beyond
your gaze – look! – there's still the whole world . . .).

De Temporum Fine Comoedia

De Temporum Fine Comoedia

1

Assomas no arco da porta com teu rosto de cera
e seguras o colar num gesto extravagante,
defendida de mais uma piada suburbana.
“Espera-te o museu”, ia dizer, numa derrisão fatal.

A palavra é recolher sem perda de tempo
e tudo receber com uma última aclamação.
Rufam tambores, querida, como nos tempos
antigos, ébrios de sangue, chamando-nos
à cerimónia sacrificial. O rosto que nos promete
o televisor, vê, tem algo de ancestral e terrífico

quando o vemos a meio da fatídica arenga.
Mutismo. Em casa não temos almofada de joelhos
e a segurança, já o sabemos, é o teu sonho preferido,
se te debruças para os toldos e a linha da água.
Vais até à varanda como testemunha ocular dos fogos
que se acendem, inelutavelmente, na distância.

Vejo como o medo em ti cinzela uma estátua
de olhar velado e face muda, inexpressiva,
recolhida, como estás, dentro de ti,
ao esconderijo mais abstruso de todos.


2

Chegados um ao outro, felizes se ouvimos
um ruído clamoroso na distância, olhamo-nos,
pois cumprida é a promessa, o sacramento
de ordem com que fomos investidos pelo tempo.

Que fazer, perguntas. Içar o velame
ou escavar em casa a galeria de mina,
desertando os dois, por um fuso horário,
na descida para os antípodas do mundo?
Tomar um revulsivo ou deixarmo-nos ir,
movidos pelo vento, sob a aba dos telhados?

Nada poderás levar, num último arrebatamento.
Tu mesma serás presa, na tarde momentosa,
de quando foi desejo teu e perdes sem apelo
sob a lei da plebe ou uma qualquer ordem
pretoriana, sentenciada ao motivo bíblico
e à resignação de uma existência romana.

Hoje tens só a imitação do teu rosto
no espelho. E nada mais te cumpre defender
à hora de sublevarem-se as obras de Deus
(além do olhar, vê, tens ainda o mundo inteiro . . .).
Paulo  Teixeira

Paulo Teixeira

(Mozambique, 1962)

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De Temporum Fine Comoedia

1

Assomas no arco da porta com teu rosto de cera
e seguras o colar num gesto extravagante,
defendida de mais uma piada suburbana.
“Espera-te o museu”, ia dizer, numa derrisão fatal.

A palavra é recolher sem perda de tempo
e tudo receber com uma última aclamação.
Rufam tambores, querida, como nos tempos
antigos, ébrios de sangue, chamando-nos
à cerimónia sacrificial. O rosto que nos promete
o televisor, vê, tem algo de ancestral e terrífico

quando o vemos a meio da fatídica arenga.
Mutismo. Em casa não temos almofada de joelhos
e a segurança, já o sabemos, é o teu sonho preferido,
se te debruças para os toldos e a linha da água.
Vais até à varanda como testemunha ocular dos fogos
que se acendem, inelutavelmente, na distância.

Vejo como o medo em ti cinzela uma estátua
de olhar velado e face muda, inexpressiva,
recolhida, como estás, dentro de ti,
ao esconderijo mais abstruso de todos.


2

Chegados um ao outro, felizes se ouvimos
um ruído clamoroso na distância, olhamo-nos,
pois cumprida é a promessa, o sacramento
de ordem com que fomos investidos pelo tempo.

Que fazer, perguntas. Içar o velame
ou escavar em casa a galeria de mina,
desertando os dois, por um fuso horário,
na descida para os antípodas do mundo?
Tomar um revulsivo ou deixarmo-nos ir,
movidos pelo vento, sob a aba dos telhados?

Nada poderás levar, num último arrebatamento.
Tu mesma serás presa, na tarde momentosa,
de quando foi desejo teu e perdes sem apelo
sob a lei da plebe ou uma qualquer ordem
pretoriana, sentenciada ao motivo bíblico
e à resignação de uma existência romana.

Hoje tens só a imitação do teu rosto
no espelho. E nada mais te cumpre defender
à hora de sublevarem-se as obras de Deus
(além do olhar, vê, tens ainda o mundo inteiro . . .).

De Temporum Fine Comoedia

1

You loom in the doorway with your waxen face,
flamboyantly clutching your necklace
like a shield against one more suburban joke.
“Rehearsing for the museum?” I thought to shoot.

The order of the day is to retreat in haste
and to salute everything with a last hurrah.
Drums are rolling, dear, as in olden times, drunk
with blood, calling us to the sacrificial rite.
There’s something ancestral and terrifying
about the face the television promises, look,

in the middle of its ominous harangue.
No comment. We don’t have kneeling pads
at home, and if you lean out to the umbrellas along
the shore, we know security is your preferred dream.
You go to the balcony as an eyewitness of the fires
inevitably blazing in the distance.

I see how fear chisels in you a statue
with veiled gaze and a speechless,
expressionless face, withdrawn into you,
the most recondite hiding place of all.


2

Together now, happy if we hear a racket
in the distance, we look at each other,
for the promise is fulfilled, the ritual
sacrament conferred on us by time.

What should we do, you ask. Hoist the sails
or dig a mine shaft in the floor, deserting
who we are as we descend time’s tunnel
to reach the world’s antipodes?
Swallow a pill or let ourselves go,
pushed by the wind, beneath the eaves?

You cannot, in a final rapture, take anything.
You’ll be the prey, on that crucial day,
of all you desired and lose, without appeal,
under mob rule or some praetorian
order, sentenced to biblical logic
and the resignation of Roman existence.

All you have today is your face’s imitation
in the mirror. And that’s all you'll have to defend
in the hour when God's creation rebels (and beyond
your gaze – look! – there's still the whole world . . .).
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