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Gedicht

José Miguel Silva

TO PLEASE A SHADOW

Now that I’ve wept my part as a lonely man,
I can turn the script over and declare that, in fact,
I’ve never been alone. I’ve always had the good company
of my shadow. And I have to say
we’ve done all right together, with bad days and worse days,
like all couples. We were (and are) the same
age, with the same musical tastes
and a parallel fondness for sitting by the fire,
reading the same books, using almost
no oxygen.

She was the one who sometimes insisted
we go dancing, whereas I naturally hated
the scuzziness of discotheques, preferring
the descriptive movement of novels
to the mortgaged light of a distant body.

The tension between us increased over time,
with things going downhill when she started
inviting other people into our bed. Until
one day she arrived home and introduced me to
“the love of our life; now we’re a threesome”.
And so my shadow, that ingrate,
began saying the most atrocious things.
Such as: “You go to the movies. We’re staying home.”
Or: “We could walk separately now and then,
don’t you think?” And she shuts herself up in the bedroom
for impassioned (breathless) conversations with the other.
At which point I leave the house in a huff.

A life shared by three is perhaps shorter than one
shared by two. Now there’s a millimeter of distance between me
and my shadow. Enough of an interval for a ray of light.
We’re not really any worse off than before.
But it disgusts me to see the pink clover
they sow in the backyard, happy as two little
movie stars. What can I say? They’re like children.

PARA AGRADAR A UMA SOMBRA

PARA AGRADAR A UMA SOMBRA

Agora que já chorei o meu papel de solitário
posso virar a folha e declarar que, na verdade,
eu nunca estive sozinho. Tive sempre a boa companhia
da minha sombra. E não posso dizer
que nos déssemos mal: uns dias pior, outros pior.
Como todos os casais. Tínhamos (e temos)
a mesma idade, os mesmos gostos musicais,
um amor paralelo por fogo de lenha,
líamos os livros a meias, quase não gastávamos
nenhum oxigénio.

Dos dois era ela quem insistia, às vezes,
para irmos dançar. Mas eu, é claro, detestava
o tremedal das discotecas; amava mais depressa
o movimento descritivo dos romances
do que a luz hipotecada de um corpo distante.

Com o tempo, no entanto, foi crescendo esse litígio.
As nossas relações foram perdendo vulto
à medida que ela convidava mais gente
para a nossa cama. Até que um dia chegou a casa
e apresentou-me “o amor da nossa vida; agora
somos três”. E assim a minha sombra,
a minha ingrata começou a dizer coisas lacerantes.
Por exemplo: “Vai tu ao cinema. Nós ficamos.”
Ou então: “Bem podemos, de vez em quando,
caminhar separados, ou não achas?” E fecha-se
no quarto com a outra, em colóquios ofegantes.
Altura em que, de raiva, saio porta fora.

Uma vida a três é talvez menos longa do que uma vida
a dois. Há um milímetro agora de distância entre mim
e a sombra. O espaço bastante para um raio de luz.
Não ficámos, realmente, pior do que estávamos.
Mas chega a ser enjoativo ver o trevo cor-de-rosa
que semeiam no quintal, felizes como duas estrelinhas
de cinema. Nem sei o que diga. Parecem crianças.
José Miguel Silva

José Miguel Silva

(Portugal, 1969)

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PARA AGRADAR A UMA SOMBRA

Agora que já chorei o meu papel de solitário
posso virar a folha e declarar que, na verdade,
eu nunca estive sozinho. Tive sempre a boa companhia
da minha sombra. E não posso dizer
que nos déssemos mal: uns dias pior, outros pior.
Como todos os casais. Tínhamos (e temos)
a mesma idade, os mesmos gostos musicais,
um amor paralelo por fogo de lenha,
líamos os livros a meias, quase não gastávamos
nenhum oxigénio.

Dos dois era ela quem insistia, às vezes,
para irmos dançar. Mas eu, é claro, detestava
o tremedal das discotecas; amava mais depressa
o movimento descritivo dos romances
do que a luz hipotecada de um corpo distante.

Com o tempo, no entanto, foi crescendo esse litígio.
As nossas relações foram perdendo vulto
à medida que ela convidava mais gente
para a nossa cama. Até que um dia chegou a casa
e apresentou-me “o amor da nossa vida; agora
somos três”. E assim a minha sombra,
a minha ingrata começou a dizer coisas lacerantes.
Por exemplo: “Vai tu ao cinema. Nós ficamos.”
Ou então: “Bem podemos, de vez em quando,
caminhar separados, ou não achas?” E fecha-se
no quarto com a outra, em colóquios ofegantes.
Altura em que, de raiva, saio porta fora.

Uma vida a três é talvez menos longa do que uma vida
a dois. Há um milímetro agora de distância entre mim
e a sombra. O espaço bastante para um raio de luz.
Não ficámos, realmente, pior do que estávamos.
Mas chega a ser enjoativo ver o trevo cor-de-rosa
que semeiam no quintal, felizes como duas estrelinhas
de cinema. Nem sei o que diga. Parecem crianças.

TO PLEASE A SHADOW

Now that I’ve wept my part as a lonely man,
I can turn the script over and declare that, in fact,
I’ve never been alone. I’ve always had the good company
of my shadow. And I have to say
we’ve done all right together, with bad days and worse days,
like all couples. We were (and are) the same
age, with the same musical tastes
and a parallel fondness for sitting by the fire,
reading the same books, using almost
no oxygen.

She was the one who sometimes insisted
we go dancing, whereas I naturally hated
the scuzziness of discotheques, preferring
the descriptive movement of novels
to the mortgaged light of a distant body.

The tension between us increased over time,
with things going downhill when she started
inviting other people into our bed. Until
one day she arrived home and introduced me to
“the love of our life; now we’re a threesome”.
And so my shadow, that ingrate,
began saying the most atrocious things.
Such as: “You go to the movies. We’re staying home.”
Or: “We could walk separately now and then,
don’t you think?” And she shuts herself up in the bedroom
for impassioned (breathless) conversations with the other.
At which point I leave the house in a huff.

A life shared by three is perhaps shorter than one
shared by two. Now there’s a millimeter of distance between me
and my shadow. Enough of an interval for a ray of light.
We’re not really any worse off than before.
But it disgusts me to see the pink clover
they sow in the backyard, happy as two little
movie stars. What can I say? They’re like children.
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Versopolis
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Veerhuis
VDM
Partners
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